quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

DIGITE 190 - EMERGÊNCIA





          Quente noite de verão resolvo sair por aí, dar umas voltas.

          Apressadamente tento abrir o portão da garagem através do controle remoto, mesmo estando dentro do carro, todo fechado, os vidros são blindados. Afinal, o risco de assalto é elevado, alguém poderia chegar a invadir minha casa e me levarem dentro do carro. Mesmo num sossegado bairro de classe média.

          Vou apenas dar um ligeiro passeio pelo bairro para espairecer os pensamentos que ficaram sobre o telejornal que acabara de assistir: "professora assassinada após sacar dinheiro no banco" - a famosa saidinha do banco.

          Vou admirando as luzes das decorações do natal que se aproxima, sempre atento a qualquer movimento suspeito, obrigando-me a não parar em cruzamentos. Percebo um cidadão com passos apressados, cabisbaixo, olhando para todos os lados: seria ele um bandido desconfiado, ou um trabalhador em direção à sua casa após um longo e extenuante dia de trabalho com medo de ser uma próxima vítima?

          No semáforo da próxima esquina verifico um motoqueiro que me ultrapassa bem acelerado, seguido por um outro motoqueiro, suspeitos? Difícil, hoje em dia todos são suspeitos. É muita facilidade de se roubar uma moto, principalmente as mais cobiçadas. Ou de ser assaltado por alguém numa moto. Ninguém está seguro.

          Em direção ao centro da cidade as calçadas são verdadeiras moradias. São indigentes e usuários de drogas. Homens, mulheres, crianças, famílias inteiras. Entre eles se misturam aos desempregados e desalojados; sem recursos e sem emprego, alguns até mesmo sem família. Entre eles, porém, muitos que tem ou poderiam ter a sua família, com recursos financeiros e casas, mas abandonaram tudo em troca do vício. O risco de caminhar a pé é terrível.

          Ao longe, no caminho de volta, escuto um forte estrondo, mais uma pequena cidade do interior invadida. Banco explodido, caixa eletrônico arrombado. Cenário de guerra: rajadas de tiros, armamento militar pesado, que espanta a única viatura militar em ronda. Intimidando o pequeno e solitário posto policial, clamando por reforço. A cidade está sitiada como nos faroestes hollywoodiano, onde o pobre xerife fica entrincheirado entre os arbustos.

          Sirenes, gritos, choro e dor ao ver uma criança caída, atropelada por um grupo de adolescente que conduziam seus carros em alta velocidade, sem carta e alcoolizados. Fugiram sem prestar socorro.

           Gritos de socorro, uma bala perdida atravessou a janela e atingiu a mãe de família que dormia para poder levantar-se cedo no dia seguinte, para pegar o trem lotado às cinco da manhã e dirigir-se ao trabalho. Seu salário é pouco mais que o mínimo para sustentar seus três pequenos filhos, abandonados pelo pai alcoólatra e violento.

          No hospital, ela fica deitada numa maca, no corredor, ferida e sangrando, aguaradando os primeiros socorros, ali ao lado do idoso aposentado enfartado.

          A bala perdida partiu da correria dos torcedores na saída do estádio de futebol. Rojões, paus, armas brancas, armas de fogo, cenário das arenas medievais. Cidadãos descompromissados com a sociedade. A paixão pelo time de coração é a mentira encontrada para camuflar mentes doentias com atitudes animais e selvagens dos tempos das cavernas.

          Outra ambulância encosta, e desta vez trazendo um policial à paisana. Estava planejando seu casamento com a namorada no bar do bairro, baleado sem ao menos ter reagido, apenas por ter sido identificado como policial.

          Carros roubados, lojas saqueadas, empresas invadidas, traficantes nas esquinas. Tudo isso não é o relato de um roteiro de um programa sensacionalista da televisão, muito menos uma produção de Hollywood, é a rotina de qualquer cidade, seja ao norte, ou seja ao sul. Não escapam as pequenas muito menos os grandes centros. Isto acontece na casa ao lado, na avenida à frente, na rua de trás, no bairro vizinho, na próxima cidade.

          Nesta guerra entre o nobre e o pobre não há vencedor, são todos vencidos, corrompidos. Observados pelo mediador, que só lamenta a estupenda dor. 

"Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas." (Mateus 6:33)

         

Wagner Pires
in, Roteiros de um Rotina

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